Wednesday, March 28, 2012

Redescobrir Clarice Lispector




Dois livros acabadinhos de chegar à minha mesa. O Lustre e Água Viva marcam o início de uma nova fase da divulgação de Clarice Lispector em Portugal. A Relógio d’Água adquiriu, até 2018, os seus direitos de publicação e promete levar a cabo uma edição exaustiva da obra da grande escritora brasileira, revelando até facetas pouco conhecidas, como os seus livros infanto-juvenis (A Mulher Que Matou os Peixes, A Vida Íntima de Laura, O Mistério do Coelho Pensante, Quase de Verdade e Como Nasceram as Estrelas) e dois álbuns lançados sob pseudónimo com conselhos para as mulheres (Correio Feminino e Só para Mulheres – Conselhos, Receitas e Segredos).
Esta renovada atenção à escrita de Clarice Lispector não esquecerá a reedição dos livros que já integram o catálogo da Relógio d’Água: Perto do Coração Selvagem, Laços de Família, A Paixão segundo G. H., A Maçã no Escuro, Uma Aprendizagem ou O Livros dos Prazeres, A Hora da Estrela, Contos Reunidos e A Cidade Sitiada. A estes juntam-se agora O Lustre e Água Viva e, também em 2012Para não Esquecer e Um Sopro de Vida. Se a esta notícia juntarmos a tradução, em 2010, na Civilização, da biografia de Benjamin Moser, podemos dizer que a obra Clarice Lispector nunca esteve esteve tão acessível.
Publicado em 1946, O Lustre é o segundo livro de Clarice Lispector. Como nota Benjamin Moser na referida biografia, ao contrário do fragmentário Perto do Coração Selvagem, o seu primeiro romance, aqui estamos perante um conjunto coerente. “Apesar de os seus extensos segmentos descreverem propositadamente acontecimentos, consistem sobretudo em longos monólogos interiores, interrompidos apenas por um singular e perturbador fragmento contendo diálogo ou ação”, afirma o investigador norte-americano. “O livro progride em ondas lentas que se elevam, alterosas, nos momentos de revelação. As páginas entre estas epifanias são precisamente os momentos em que o livro se torna mais intolerável para o leitor, que é forçado a seguir o movimento interior de outra pessoa com um detalhe microscópico. Acostumado às epifanias, esperando estímulos e surpresas permanentes, o leitor que aborde o livro pela primeira vez depressa se sente desconcertado.”
Água Viva, por seu turno, foi publicado em 1973 e, ainda segundo Moser, "não se parece com nada que tivesse sido escrito na época, no Brasil ou em qualquer outro lugar. Os seus parentes mais próximos são visuais ou musicais, uma semelhança que Clarice enfatiza ao transformar a narradora, uma escritora, nas versões iniciais, numa pintora; na altura, ela mesma dava os primeiros passos na pintura”.
Dois livros acabadinhos de chegar à minha mesa. E que ainda não li. Algo que vou ter de resolver brevemente.

A falsa dicotomia entre o rural e o urbano de Álvaro Domingues




É um livro em tudo original, até na sua edição. Tem uma chancela - a Dafne - mas esteve em subscrição pública para recolher o dinheiro necessário à sua publicação. Vida no Campo, de Álvaro Domingues, 52 anos, prof. da Faculdade de Arquitetura do Porto, é tão híbrido como as paisagens que descreve. Para evidenciar a fronteira cada vez mais ténue entre o rural e o urbano, o especialista em Geografia Urbana socorre-se de fotografias suas, poemas alheios, teses comuns e análises próprias. Um livro feito de retratos de um país composto de mudança


A brincar, costuma dizer: “Fui primeiro a Paris do que a Lisboa”. Poderia ser sobranceria, ou até sinal de um certo cosmopolitismo bacoco. Mas não. É apenas a sua forma de desmitificar algumas ideias feitas, enraizadas na sociedade nas últimas décadas, fruto da propaganda do Estado Novo e das idealizações turísticas do século XXI. Melgaço, onde nasceu, em 1959, “nunca foi, nem é, esse mundo remoto e desligado da terra como muitas vezes é pintado”. Dessa terra no limite norte de Portugal, lembra, partiu o primeiro autocarro semanal para Paris. E nos seus tempos de criança era tão frequente falar-se da “próxima vaca que ia parir”, como da “atualidade da Nova Caledónia”, onde morava um conterrâneo. Ao quotidiano difícil da vindima e do trabalho da lavoura, sobrepunha-se um manto diáfano de urbanidade da diáspora, animado pelas notícias da emigração e das mundividências que se cruzavam.
É precisamente essa realidade multifacetada, menos linear do que se possa supor, que Álvaro Domingues tem tentado divulgar em investigações universitárias e, agora, numa tetralogia que cruza fotografia e ensaio. Sempre com a ruralidade debaixo de olho. No conjunto, estes livros são “uma metáfora sobre a perda do Portugal Rural e um antídoto contra o mau viver pelo despovoamento e abandono, ou, noutro registo, pela profunda metamorfose que vai lavrando pelo país dos (ex)agricultores com o desaparecimento das suas práticas ancestrais, modos de vida, território e paisagens”, como o autor nos explica, citando o que escreveu na introdução do 2° volume da tetralogia, Vida no Campo, pronto para ser publicado (ver caixa). E acrescenta: “Esta não é uma questão menor. Como a língua ou a história, a paisagem é um poderoso marcador identitário, uma casa comum. E não há paisagens para sempre. Elas são o registo de uma sociedade que muda e, se a mudança é tanta, tão profunda e acelerada, haverá disso sinais, para além de pouco tempo e muito espaço para compreender ou digerir as marcas e formas como se vão atropelando mutuamente, ora relíquias, ora destroços”.
Zona de pasto ao lado de grandes barragens, ovelhas num bebedouro à beira de uma estrada, vivendas com lojas no piso térreo, ruínas postas à venda em grandes empresas de imobiliário, viadutos que atravessam aldeias, campos de cultivo colados a áreas industriais, uma corda de roupa estendida entre dois pilares de uma estrutura rodoviária, cabos de alta tensão sobre casas e campos ou alfaias agrícolas atrás de estádios de futebol com projetos arquitetónicos premiados internacionalmente. Eis algumas das muitas imagens - são cerca de 300 em a Vida do Campo - que Álvaro Domingues captou de norte a sul do país, de forma a evidenciar “a falsa dicotomia entre o rural e o urbano”. Ou, como diz: “Continuar a insistir na dualidade urbano/rural é como olhar para a sociedade e território com conceitos desfocados. A realidade é o que é e os conceitos são apenas invenções para tornar claro o que é complicado”. Ou, como reforça: “Vida no Campo é sobre isto tudo: mitologias do último país rural da Europa que persistem em inscrever-se no imaginário coletivo e, ao mesmo tempo, as imagens bucólicas e os destroços desse mundo perdido, variando entre calamidades e incêndios, resorts para todos os gostos com muita relva e espaço verde, turismo rural, desertificação ou, ao contrário, casas e estradas por todo o lado”.
Neste cenário, uma conclusão é óbvia: o trauma da perda de um mundo rural está longe de ser resolvido ou apaziguado. “É também disso que se trata neste jogo de espelhos onde não se percebe exatamente o que é que objetivamente se perdeu, mas muitos creem que foi o próprio paraíso, a versão bucólica e pastoral do mundo rural mais que perfeito, como Adão e Eva antes da serpente”. Álvaro Domingues não tem dúvidas. Neste caso, como nos da psicanálise, Freud explicaria que estamos perante o trauma ou o “mau luto” pela perda da paisagem que deixou de ser o que supostamente era. O pensamento também atormenta a paisagem.


Foi um vizinho de Melgaço, colega da faculdade e viajante por terras das Américas, que comprou para Álvaro Domingues uma primeira máquina fotográfica, selando, sem o saber, o destino do amigo. Paga em prestações com os “primeiros dinheiros que ganhou” - começou a dar aulas quando ainda frequentava o 3° ano da licenciatura em Geografia, na Universidade do Porto - essa Nikon passou a ser uma companhia diária. Os primeiros disparos surgiram sem intenção específica, guiados apenas pelas regras do ofício e as lições de Orlando Ribeiro. “Para ler a paisagem, é preciso ganhar cota”, dizia o geógrafo aos seus alunos. E Álvaro Domingues não deixou de subir a montes e colinas, elevações e penhascos para, com o olhar distanciado, perceber não só como o homem modificou a natureza, mas como esta também o condicionou.
Mais tarde, porém, a sua rotina fotográfica desviou-se das morfologias e taxionomia do povoamento e de outras ferramentas de análise geográfica, que no entanto nunca deixou de estudar, como demonstra o livro Políticas Urbanas II que editou, com Nuno Portas e João Cabral, na Gulbenkian, em 2011, depois de um estudo semelhante e com os mesmos parceiros de 2004. E não faltam ensaios e conferências no seu currículo académico, hoje exercido na Faculdade de Arquitetura do Porto. O olhar de Álvaro Domingues, porém, virou-se para essa fronteira cada vez mais ténue entre o rural e o urbano, entre o campo e a cidade. Aos poucos, os seus arquivos encheram-se de imagens que documentavam uma profunda “hibridez”, sendo essa, na sua visão, um das principais marcas que caracteriza Portugal.
De início, não adoptou nenhum método, nem sentiu a obrigação de percorrer Portugal de lés-a-lés. Apenas ligou o “radar”, essa atenção pessoal e transmissível que nos liga ao mundo, e esperou que a realidade inundasse a sua máquina fotográfica. Em suma: deixou-se surpreender. E as surpresas foram muitas, em particular aquelas que punham em causa o “discurso oficial” da geografia e revelavam as “nossas incompreensões”.
Em A Rua da Estrada, o 1° volume desta teatralogia e ponto de partida para uma curta-metragem homónima de Graça Castanheira (ainda em rodagem), Álvaro Domingues mapeou o modo estatisticamente mais comum de urbanização: a estrada. “Essa coisa mal-amada pela mesma razão de muitas outras coisas cuja identidade é flutuante, não encontrando estabilidade por aquilo que é, mas sim pelo que deixou de ser ou ainda não é”, descreve. “Quando as estradas eram estradas, não havia os problemas que hoje há. Estradas eram estradas, boas ou más, e ligavam povoações, vilas e cidades. À beira da estrada havia fontes para matar a sede de animais e pessoas; havia miradouros, valetas e sombras para descanso e merendas”.
Mas o que a sua objetiva fixava era muito diferente: “A rua da estrada perdeu quase toda a poética e a estética da lonjura e da evasão. Já não é o traço do asfalto que se acomoda à morfologia da paisagem, as subidas gloriosas, os altos com vistas de perder a respiração, o serpentear ao longo de um vale ou um traço que se funde no horizonte de uma planície”. Pelo contrário, como sublinha, apoiando-se em conceitos que foi buscar não só à Geografia, mas também ao Urbanismo, à Antropologia e à Sociologia, “a estrada-rua mistura tudo num conflito permanente, camiões e peões, carros e autocarros, motorizadas e patins em linha, cruzamentos com outras estradas. Há quem simplesmente passe e há quem queira sair e entrar, estacionar ou atravessar a estrada. Rápida de mais para quem lá vive, lenta e congestionada para quem lá passa. Um desassossego que não se resolve com passadeiras, semáforos, multas, rotundas e outros truques de acalmia de tráfego”.


Neste trajeto, o que mais despertou a sua atenção foram as edificações que cresciam ao correr da via pública, respondendo às necessidades humanas, num emaranhado de estilos, atividades agrícolas, industriais e sociais. Percurso semelhante será feito no 3° volume da tetralogia, intitulado Volta a Portugal, e que tem como ponto de partida as míticas caravanas do ciclismo e as paisagens que então se revelavam na comunicação, radicalmente transformadas nos últimos anos, como as planícies da Amareleja, em pleno Alentejo, que atualmente acolhem a mais alta tecnologia na área dos painéis solares. O último tomo abordará, por seu turno, esses “buracos negros ou túneis do tempo a que chamamos auto-estradas”, como diz a brincar. Terá como título Entre nós: de auto-estrada.
Não se pense, contudo, que este trabalho de cartografia tem na sua essência um olhar exterior, como aqueles estudos sobre a música pimba ou as festas populares, mais assentes na paródia do que na compreensão. Ao contrário de muita opinião pública, Álvaro Domingues não adjetiva esta malha urbana e rural de “caótica” ou “feia”, fruto de uma construção civil desenfreada (que reconhece haver) ou de uma corrupção tentacular (que diz existir em todas as sociedades). “Não podemos dar como explicação o que precisa de ser explicado”, afirma. “Estamos perante realidades complexas e para as compreender precisamos de novos instrumentos. Somos uma sociedade pós-moderna que nunca chegou a ser moderna, uma economia pós-industrial sem nunca ter sido industrial. Temos um discurso de país rico quando na realidade não o somos”.
Talvez seja mais correto afirmar, como sugere, que “Portugal é o país mais exótico do mundo”, fazendo jus à sua condição de semi-periferia, segundo a conceção de Boaventura de Sousa Santos. E, para Álvaro Domingues, há nele beleza suficiente para “não termos problemas de autoestima”. Basta deixar cair as imagens mitificadas e renovarmos o olhar e o saber. É com essa intenção que está a trabalhar num novo conceito, o de Paisagens Transgénicas, que enunciou pela primeira vez na coletânea de ensaios Arquitetura em Lugares Comuns, também uma edição da Dafne, como A Rua da Estrada e Vida no Campo. Um termo que criou para “ultrapassar enviesamentos, bloqueamentos e ilusões de conhecimento em torno dos conceitos vagos de paisagem - paradoxalmente considerados claros e classificáveis em taxionomias estáveis -, tentando diminuir o ruído de fundo e a cacofonia existente, para melhor perceber o que de facto é mais importante no mal-estar social que se exprime no discurso e nas representações sobre a paisagem tornada assunto e bem público, e elemento de identidade e distinção face aos processos acelerados da globalização-massificação e do sentimento de perda de identidade”. O mundo é composto de mudança. A paisagem também.














Texto publicado no JL 1081, de 7 de Março de 2012

Monday, March 26, 2012

Viagem Sentimental II

Cartaz do III Encontro Livreiro, desenhado pelo Irmão Lúcia

Livraria Culsete, casa do encontro

Manuel Medeiros, na intervenção de abertura do encontro
 
Fátima Ribeiro de Medeiros, uma das organizadoras do encontro 

 Luís Guerra, um dos organizadores do encontro

Sara Figueiredo Costa, uma das organizadoras do encontro (falta a Rosa Azevedo, que não consegui fotografar, já que andava sempre de um lado para o outro com o microfone)

A embaixada de Portalegre com notícias de resistência
 
Conversas, testemunhos, histórias, interrogações
 
A conta da minha família na Culsete

Eis a crónica fotográfica do III Encontro Livreiro que juntou ontem, em Setúbal, mais de 50 pessoas ligadas aos livros, entre livreiros, editores, estudiosos, jornalistas e leitores. O texto sobre o que por lá se passou fica para mais tarde. A triste notícia da morte de António Tabucchi obriga-me a outras escritas.

Viagem Sentimental I

 Escola Secundária Sebastião da Gama

Gare Rodoviária da Av. 5 de Outubro

Gare Rodoviária da Av. 5 de Outubro 

 Tróia, do outro lado do Sado.

Vitória Futebol Clube 

Estátua do Bocage

Domingo em Setúbal, para o III Encontro Livreiro. Reencontro com o passado, com memórias, casas, ruas, espaços, pessoas. Uma viagem sentimental.

Persépolis

Leitura deste fim de semana: Primeiro o livro, de Marjane Satrapi, editado agora em Portugal pela Contraponto, depois o filme, realizado pela própria autora e por Vincent Paronnaud.

Saturday, March 24, 2012

Aprender a rezar en la era de la técnica

Leituras de fim de semana: Aprender a rezar en la era de la técnica, no Suplemento Babelia, do El Pais. "No cabe ya dudar de que el portugués Gonçalo M. Tavares (Luanda, 1970) se ha convertido en un nombre irrenunciable en la actual narrativa europea. Y decimos europea porque su obra se enmarca, o más bien revitaliza, la sediciosa y enérgica tradición que se ha identificado con la caída del Imperio de los Habsburgo, decisiva para la constitución de nuestra desconfianza del mundo", afirma Francisco Solano.

El jovem Saramago

Leituras de fim de semana: El Jovem Saramago, no Suplemento Babelia, do El Pais. "Claraboya es una novela transgresora para su época y su contexto social desde el punto de vista temático (y probablemente por ello, por no eludir aspectos como el incesto o el amor homosexual, no consiguió ver la luz en su día), que se constituye en un magnífico pórtico de entrada a la catedral que es la obra narrativa de Saramago", afirma Antonio Sáez Delgado. 

Rummikub

Um novo vício, descoberto ontem à noite. Também dá para jogar na internet, mas não tem a mesma piada. 

Friday, March 23, 2012

III Encontro Livreiro

O III Encontro Livreiro é já no próximo domingo, 25, às 15 horas, na Livraria Culsete, em Setúbal. Lá estarei para reencontrar amigos, falar sobre livros, leitores e livreiros, ver o Sado, beber Moscatel, comer Choco-frito e o que demais o dia me oferecer. Às vezes, é bom regressar aos sítios em que fomos felizes

FLM: A alegria de crescer



“O importante não é tanto a originalidade, mas que não se deixe de escrever”. Esta foi uma das últimas frases (neste caso de Francisco Fernandes) que se ouviu na 2.ª edição do Festival Literário da Madeira, que decorreu no Funchal entre os dias 15 e 18. E parafraseá-la poderá ser a melhor forma de descrever esta iniciativa dos Booktailors - Consultores Editoriais e da editora Nova Delphi que juntou na ilha 23 escritores de várias nacionalidades: “O importante não é tanto a originalidade, mas que não se deixe de fazer festivais como este”.
Usando o modelo das Correntes d’Escritas, da  Póvoa de Varzim, este encontro tem sabido criar uma marca própria, fazendo uso das potencialidades da Madeira. Estão lá, como nas Correntes, as mesas redondas, as visitas às escolas, os lançamentos de livros e as sessões de poesia. Mas também há uma forte ligação à Universidade da Madeira (o seu reitor foi um dos moderadores e outros professores também estiveram presentes), o confronto com uma região (de maiores dimensões) em que se cruzam várias referências culturais, devido aos fluxos migratórios, e há ainda um estimulante diálogo entre uma comunidade literária madeirense muito ativa e os convidados do continente. A par de Francisco Fernandes, Graça Alves, João Carlos Abreu, José Castanheira da Costa, Paulo Sérgio BEJu e Rui Nepomuceno, que participaram nas sessões, na plateia foram vistos muitos outros escritores madeirenses, como Ana Teresa Pereira ou Teresa Jardim. Num mundo em que tudo parece reinventado (ideia muito discutida no encontro), este Festival aposta tudo na reinvenção. E com bons resultados. Para o ano, a organização, cujos rostos principais são Paulo Ferreira e Francesco Valentini, promete mais escritores, mais autores, mais dias de atividades, debates e visitas a escolas. Talvez assim se perceba por que razão quiseram, este ano, “troikar as voltas à crise”. O lema parece ser, contra a austeridade, marchar, marchar. Com Literatura. 


À semelhança da 1.ª edição, o Festival teve um tema único - o verso de Fernando Pessoa “Éramos felizes e não sabíamos” - que depois se desdobrou em quatro variantes: éramos poors, violentos, piegas e originais. Das intervenções sobressaiu o papel que o escritor/intelectual poderá ter num período de crise como o que o atravessamos (além de livros e escritas, falou-se muito da atual conjuntura económica). “O escritor deve procurar acima de tudo a beleza formal, tratar bem a língua, mas se conseguir ao mesmo tempo dar um contributo para mudar a sociedade cumprirá ainda melhor a sua função”, afirmou Rui Nepomuceno. 
Isso pode passar, sugeriu Júlio Magalhães, falando da sua experiência como jornalista, por uma nova relação com o espaço público. “A televisão domina as pessoas, mas são as pessoas que têm de a dominar. E a literatura tem andado muito afastada do ecrã”, defendeu o escritor e diretor do Porto canal. “É preciso que os escritores estejam disponíveis e saibam usar a televisão”. Na afirmação de um discurso alternativo à ditadura dos números e ao jogo político, o escritor tem a possibilidade de lançar novos olhares sobre o mundo. E de colocar perguntas. Para o chinês Yang Lian, é essa a missão do poeta e, para ilustrar a ideia, lembrou um autor clássico do seu país que num dos seus poemas enumerava justamente 200 perguntas. Na procura de respostas está o início da mudança. 
Uma das novidades deste ano foi a institucionalização de uma conferência de abertura. A estreia coube a Inês Pedrosa, com uma extraordinária intervenção sobre o universo de Agustina Bessa-Luís, intitulada A Ilha Secreta de Agustina. A diretora da Casa Fernando Pessoa citou passagens dos seus livros e entrevistas, lembrou dados biográficos e traços de personalidade, analisou as suas frases e aforismos e isolou as linhas fortes da sua escrita torrencial, numa completa viagem pelos romances e contos da autora de A Corte do Norte, romance cuja ação se passa precisamente na Madeira. “Os livros de Agustina exigem alma, mas não pergaminhos académicos”, afirmou a escritora, em jeito de introdução. “São difíceis, mas podem usar-se como missais inquietantes”. Num texto que o JL publicará numa das suas próximas edições, Inês Pedrosa focou ainda o estilo de Agustina - “de livro para livro a mão torna-se mais leve” - e os temas que privilegiou nas obras, concluindo: “Um ensaio potente sobre Portugal e os portugueses. Uma reflexão lúcida sobre as motivações profundas e as escolhas políticas da Humanidade, pois é sempre de relações humanas que nos fala, do desespero e da alegria do mundo”.


Um arranque sonante que, dada a adesão do público, a qualidade da organização, a versatilidade dos temas, se transformou na nota dominante do encontro. E citando ainda Inês Pedrosa, pode dizer-se que “no Festival Literário da Madeira ouve-se falar em crescer e sonhar e ir mais longe. E isso é muito bom”.

Texto publicado no JL 1082, de 21 de Março de 2012

O Porto visto por Nadir Afonso



Duas vistas do Porto, a Foz, em cima, e o Douro, em baixo, na última exposição de Nadir Afonso, EXACTIDãO, que também passa por Abu Dabi, Bizâncio, Detroit, Brooklin e Luanda, entre outras geografias territoriais e afectivas. Para ver na Galeria São Mamede, no Porto, até dia 26 de Abril.

A experiência sublimada de Alexandra Lucas Coelho


Experiência e memória são as palavras que mais lerá nesta entrevista. E não por descuido na passagem da conversa para o texto. É que, para Alexandra Lucas Coelho, 44 anos, essas são as ferramentas centrais da sua escrita. Quer no jornalismo, que pratica há mais de duas décadas, neste momento como correspondente do Público no Brasil, quer na Literatura, onde agora se estreia, com o romance E a Noite Roda, uma edição da Tinta-da-China




No tempo dos faraós, os egípcios acreditavam que citar um nome de um morto era fazê-lo viver eternamente. A noção que Alexandra Lucas Coelho (ALC) tem da escrita não anda muito longe desta sabedoria antiga. Para si, escrever é acionar uma matéria informe e morta que, uma vez resgatada, desperta para uma nova vida. “A única forma de voltar [a uma experiência] é escrever para que exista”, afirma a narradora do seu primeiro romance, E a Noite Roda (248 pp, 16,20 euros), que é lançado hoje, quarta-feira, 7, a partir das 22, no Bar do Teatro A Barraca, numa conversa com Gonçalo M. Tavares. “Quando é que o real se torna real?” questiona-se, na mesma linha, ALC, nesta entrevista. “Quando acontece ou é contado?”.
Este primeiro romance é, assim, uma forma de perceber como se pode captar o mundo que nos rodeia, aqui sem os constrangimentos do jornalismo, a sua profissão e escola de escrita. À sua semelhança, a narradora deste livro, Ana Blau, é jornalista, enviada especial ao Médio Oriente, mulher que se habituou a cruzar fronteiras e a ver a cidade onde nasceu com os olhos da novidade. Um dia apaixona-se por outro correspondente, León, o que a levará a uma incerta aventura amorosa. “Ela sou eu mas depois já não é”, afirma ALC, apresentando as regras desta história. No jogo da literatura, é a liberdade quem mais ordena. Transfigurando a memória, sublimando o real, recosendo as linhas da sua experiência.

Este livro começa com uma evocação de Gilgamesh. Qual o seu significado?
Marcar, desde o início, a passagem de uma fronteira. Gilgamesh é a nossa narrativa primordial, o primeiro de todos nós, como se diz no livro. Ao nomeá-lo, a narradora imita aquelas pessoas que ao entrar num templo ou terreiro evocam o espírito que lhe preside. A narradora convoca o passado para ter consciência do que está para trás e sublinhar que o território que vai pisar é o da literatura, das histórias que se contam. Se virmos os meus livros como um percurso, este prólogo é o momento em que eu assinalo a passagem dessa fronteira.

A que separa o jornalismo da ficção?
Sim, embora considere “ficção” uma palavra vazia, prefiro “romance”. O romance enquanto buraco negro que atrai memórias, experiências e todo o tipo de matérias que depois são usadas como um barro. O jornalismo é uma forma extraordinária de captar a realidade (que é o que na verdade me interessa), mas tem algumas limitações, próprias do exercício da profissão. Neste momento, quero tentar uma escrita que não tenha esses constrangimentos.

Foi esta história que exigiu essa nova escrita ou era uma vontade antiga?
Uma vontade. Mas quando digo que se trata de avançar para outra etapa não significa um corte radical com o que fiz para trás. Daí o aproveitamento de técnicas do jornalismo. Tudo pode confluir para o romance, pois é um espaço inteiramente livre. Em E a Noite Roda eu emprestei à narradora, a Ana Blau, as minhas próprias circunstâncias. Fui correspondente em Jerusalém, fiz muitas das reportagens que ela envia para o seu jornal e a relação que ela tem com certos lugares é também a que eu tenho. Acima de tudo, queria lidar com materiais da minha experiência e memória de uma forma completamente diferente da que fiz como jornalista. E se as pessoas já puderam ver parte dessa aproximação ao real (nos trabalhos para o Público), agora vou tentar mostrar a outra.

Como se usasse duas lentes, uma jornalística e outra literária?
Sim. Mesmo agora no Brasil, sinto que há um tempo para observar e escrever no imediato e outro para observar e escrever mais tarde. É pegar numa matéria-prima que num determinado momento foi tratada a quente e abordá-la agora de uma outra forma. E com uma liberdade inteiramente nova para mim. Fazer com as minhas memórias o que eu quiser, transfigurando o material factual. Nesse sentido, Ana Blau confunde-se comigo e isso é deliberado. Ela sou eu mas depois já não é.

São muitos os exemplos de escritores que escrevem sobre sítios que nunca conheceram. Isso nunca acontecerá consigo?
Não descarto essa possibilidade. Não faria sentido agora que estou a entrar num território de total liberdade. Além disso, eu estive em todos os lugares que são referidos no livro, mas não necessariamente naquelas alturas, estações do ano ou circunstâncias. Entre os dois caminhos que se costuma traçar, um borgiano, da imaginação e da fantasia, e outro proustiano, da experiência e da memória, o meu será sempre o segundo.

O que a interessa nesse campo da memória e da experiência?
Perceber o que é real, quando se torna real, quando acontece ou é contado? Claro que a forma de chegar a essa verdade não passa por contar as coisas como ou no momento em que se realizaram. Se calhar conseguiremos transmitir com mais vivacidade essa realidade retocando-a e transfigurando-a. Nesse sentido, este livro é também um jogo que proponho ao leitor.

Ao usar a lente da ficção, o seu olhar sobre o Médio Oriente mudou?
Só no sentido em que o ponto de vista é o da intimidade, dos bastidores, e não do palco. O próprio movimento do livro vai do plano geral para o grande plano, de dentro para fora, da paisagem para o quarto. Por isso, não é que tenha descoberto um outro olhar sobre o Médio Oriente. Apenas tentei regressar a uma cidade (Jerusalém) central na minha vida e lidar com outras dimensões dessa experiência. E contar uma história.

Uma história de amor?
Não diria amor, antes paixão ou desejo de paixão ou até desejo de aventura, dependendo do ponto de vista. Interessou-me explorar esse tema, que é tanto meu como de muitas outras pessoas, e perceber o seu fracasso, a sua angústia, o seu vazio, a sua irrealidade. Entender também até que ponto essa paixão é gerada e impossibilitada pelo exterior, se é ou não fabricada e afetada pelo contexto.

Esta paixão não seria possível noutro contexto?
Eis a questão. Talvez não. A paisagem, aqui, mais do que um pano de fundo é também uma personagem. Esta história existe porque as circunstâncias da Ana e do Leon são aquelas, naquele lugar, com uma intensidade específica que gera uma aproximação e uma vontade. Quando se retira a paisagem, descobre-se que não há nada debaixo dos pés.

A relação entre Ana e Leon é idealizada mas também muito física...
Esse é outro campo que me interessa particularmente. A relação sexual pode ser um revelador, como na fotografia, das próprias personagens, dos seus avanços e recuos, das suas limitações. É um território muito rico, que lida com o que é mais nosso. É como se, ao entrar na literatura, estivesse a iniciar um caminho para dentro, depois de ter feito um para fora, como jornalista. E todos estes temas são da mesma ordem. Quero descobrir como se pode lidar com a memória e a experiência de uma paisagem, de uma cidade, de um lugar e de duas pessoas numa cama. No livro, cito um poema de John Berger que fala precisamente disto: “Maravilhoso o vento de primavera para os/ marinheiros que anseiam partir/ E mais maravilhoso ainda o lençol que cobre dois/ amantes numa cama”. É isso que procuro: o marinheiro que está à espera que o vento sopre nas suas velas e a intimidade de duas pessoas. É também uma tentativa de tornar a leitura uma experiência sensorial.

Em que sentido?
Dar a ver, como no jornalismo, mas também dar a ouvir e a sentir. E se a ambição é conseguir tocar o real, nada é mais desafiador do que dois corpos no afã de provarem que estão vivos.

Estas personagens podem vir a aparecer num novo romance?
Em relação à Ana, não. Penso que ficou por aqui. O Karim, personagem que apenas é nomeado, vai aparecer no próximo romance. Gosto da ideia de uma ligação entre livros e não descarto a possibilidade de Leon regressar, ele que nunca chega a falar neste romance.

A escrita deste romance foi muito diferente da dos outros livros?
Não teve nada a ver. Foi muito morosa, enquanto a escrita dos anteriores foi rápida e contínua. Mas cada um resultou de um processo diferente, até porque não me interessa repetir fórmulas. Não me vejo, por exemplo, a fazer mais um livro de viagens, embora no Brasil haja vários pretextos. O Caderno Afegão partiu de um diário e foi escrito muito tempo depois de ter regressado. O Viva México foi um livro rápido, colado ao momento e concluído em dois meses. Este romance é uma história contada por uma mulher e apenas conhecemos a sua versão. Para mim não era importante construir uma trama tradicional ou desenvolver as personagens secundárias. O próximo livro, no entanto, será diferente, polifónico, e passado no Brasil. 

Está lá há ano e meio. Como tem sido essa experiência?
O Brasil é neste momento o centro do mundo. Toda a gente está a olhar para aquele país contraditório e complexo. E o símbolo dessa grande transformação é o Rio de Janeiro, uma cidade oposta à minha natureza. Ao contrário de Buenos Aires, por exemplo, mais melancólica, o Rio é voltado para fora. Raramente nos deixa pousar os olhos e a cabeça.

Porquê?
Aos nossos olhos, a cidade está sempre a mudar. A topografia é tão extravagante que sempre que se muda de direção, se entra ou sai de um morro, se observa de sul ou de norte, tudo parece novo e mudado. E o meu Rio não é o das praias ou do Leblon. Moro no meio da floresta, no Cosme Velho, o bairro onde viveu Machado de Assis.

O Brasil novo que está a parecer é sustentável?
É uma das grandes interrogações que se colocam neste momento. Será que o Brasil vai se tornar um país desenvolvido e, ao mesmo tempo, manter as produções de monocultura que estão a destruir a Amazónia? E vai crescer à custa de milhões de pobres ou vai proporcionar-lhes cuidados de saúde e uma educação que nunca tiveram?

Esse é um debate público?
É um debate que às vezes aparece nas margens, poucas vezes no centro. Não sei dizer para onde vai o Brasil, agora que ele surge como contraponto a um mundo em crise. Há uma enorme explosão de emprego e importação de quadros - toda a gente quer ir viver para o Rio. O que o Brasil tem de dizer ao mundo é se consegue encontrar um modelo alternativo com o qual a Europa e os EUA possam aprender qualquer coisa. O que pode resultar do cruzamento de várias heranças raciais e sociais?

De que forma essa experiência vai ser passada para o romance que está a escrever?  
A ambição é tocar neste momento único da história do Brasil e projetá-lo no interior das personagens. Será centrado no Rio, embora absorva experiências de outras regiões brasileiras e não só.

E terá ecos do português que se fala no Brasil?
Lidar com uma língua que é minha mas ao mesmo tempo não é foi um dos motivos que me levou a ir para o Brasil. E não tenho ideias muito definidas sobre isso. Falamos uma língua que está a ser constantemente alargada e moldada por 190 milhões de pessoas que vivem num país gigantesco. É fascinante, mesmo se no futuro der origem a uma outra língua. E interessa expor-me a esse atravessamento. Como não sou uma patrioteira nacionalista não tenho qualquer problema com isso. Não vou perder a minha identidade, nem o meu sotaque.
    
Entrevista publicada no JL 1081, de 7 de Março de 2012

Francesco Valentini


Na reportagem sobre o Festival Literário da Madeira, publicada no JL 1082, da passada quarta-feira, um dos organizadores está mal identificado. Na verdade, o seu nome é Francesco Valentini, director da editora Nova Delphi. Ao Francesco, a toda a equipa do festival e aos leitores, as devidas desculpas pelo erro, que será corrigido na próxima edição.

Monday, March 19, 2012

Um prémio para Einar Már Guðmundsson


Foto de Joana Beleza


Não é preciso um prémio de carreira, por mais importante que seja, para perceber que toda a vida de Einar Már Guðmundsson tem sido dedicada à literatura. Quem já teve a sorte de entrar no seu atelier, ao lado da sua casa, num bairro dos arredores de Reykjavík, não terá deixado de ficar impressionado com os livros que se acumulam nas estantes, o computador com marcas de muito uso, os manuscritos em cima da mesa, os blocos cheios de rabiscos e a taça de café sempre cheia, ao lado do termo que o mantém aquecido.
Nascido em 1954, Einar Már Guðmundsson estreou-se em 1980, com uma recolha poética intitulada, na tradução inglesa, Is Anyone Here Wearing The Korana Line? Esse livro inaugural ocupa hoje uma ínfima parte das prateleiras que, no atelier, atribuiu aos seus livros e traduções. São em número considerável e um motivo de orgulho. Conhecido em toda a Escandinávia, Einar Már é respeitado não só pelos livros mas também pela intervenção cívica. A título de exemplo, lembre-se que foi um dos oradores mais ativos nas manifestações que denunciaram as fraudes financeiras dos bancos islandeses, na sequência da bancarrota de 2008, pela qual o primeiro-ministro de então está a ser julgado e que deu origem a um empréstimo do FMI que já foi parcialmente pago. Um escândalo que relatou em The White Book.
Mas Einar Már é também muito conhecido na Europa, sobretudo na Alemanha, Itália e França. À sua estreia literária, seguiram-se outros dois volumes de poesia, Loneliness of the Delivery Boy e Robinson Crusoe Returns Home. Num ritmo regular (um livro por ano ou, no máximo, de dois em dois), foi consolidando o seu nome junto dos leitores, lançando romances, contos, livros para crianças e ainda mais poesia. Isto até 1993, quando publicou aquele que é o seu título mais famoso, Anjos do Universo, felizmente publicado em Portugal, infelizmente numa edição há muito esgotada (Canguru, 2003). É daquelas obras que fazem uma carreira, mesmo quando, ao mesmo tempo, a reduzem a um único livro. Valeu-lhe, em 1995, o Nordic Literature Prize, conhecido como “o pequeno Nobel” ou o “Booker Prize da Escandinávia”. Recebe-o agora pela segunda vez, pela totalidade do seu trajeto literário, algo que já tinha acontecido a outros dois escritores islandeses: Thor Vilhjálmsson e Guðbergur Bergsson.
Além dos prémios, Anjos do Universo, adaptado ao cinema por Friðrik Þór Friðriksson, ocupa um lugar especial na escrita de Einar Már. Baseado na curta vida do seu irmão, conta a história de um conjunto de doentes mentais internados num hospício, os seus sonhos, angústias, aventuras, desejos, inquietações, medos e pulsões. Como em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, ou em muitos outros livros que pegam nessa forma literária, o narrador recorda a sua vida depois de morto, nomeadamente os conflitos familiares, a inadaptação social e a progressiva deriva para aquela território em que a razão dá lugar a forças que a razão desconhece. Neste livro, há sofrimento, incompreensão e autismo, mas também uma centelha de felicidade. E é essa capacidade de intuir nestas personagens emoções tão contrastantes que fazem de Anjos do Universo uma leitura inesquecível.
Só pelo título, de Einar Már gostava de ler o romance Epilogue of Raindrops, mas ainda não o consegui comprar. Contento-me com a poesia que me enviou por e-mail. A mesma que aqui partilho convosco.


The Girl You Loved

Revolution is like the girl you once loved.
You thought she loved you too
and you would never love any other.
But one day she ditched you.
Your sorrow was an abyss in the void of days.
Now, much later, you see there was nothing to her
and are astonished you should ever
have fallen in love with her.

And yet, if the magnetism that attracted you to her
is no longer in your heart …
for the girl you loved once
is not the girl you loved
but rather the yearning,
the quest that set off with you
not to find,
but to search for what you lost
to be able to lose what you found.

A Warcry From North

You who live  with an island in your heart
and the vastness of space
a sidewlk beneath your soles.

Hand me the Northern Lights!
I shall dance with the youngster
who is holding the stars.

We peel the skin from the darkness
and cut the head off misery.

Robinson Crusoe Returns Home

— the taxi driver
who drove me beyond the city limits
took my football in pawn
my colouring books have been
confiscated
my darling
you make sure the bailiffs
don’t get their hands on my aquarium
you mustn’t tell on me
I know the cops are looking for me
they’ve photographed me from all sides
the evening papers are reporting that I’m wanted
you promise not to say a word,
they’re looking for me
among the gangsters in the bars
and the libraries
have already handed in all the famous five books
for fingerprinting
now they’re combing the beaches
and I just heard on the radio 
that the airports have been closed.



Sunday, March 18, 2012

E a cabeça cheia de ilhas

Regressar, desejar voltar. A cabeça cheia de ilhas. E de memórias. Foi bonita a festa, pá. 

Saturday, March 17, 2012

E para o ano há mais

Paulo Ferreira e Francesco Valentini fazem um balanço muito positivo do festival. Agradecimentos a toda a equipa de produção, à cidade do Funchal. E para o ano há mais.

Mesa 5 do FLM

18h53: Fim da sessão. Segue-se a cerimónia de enceramento.

18h52: Moderador: Há de facto um baú de livros que um escritor tem dentro de si. O importante não é tanto a originalidade, mas que não se deixe de escrever.

18h49: José Mário Silva: Isso tem a ver com três palavras: direitos de autor. David Shields diz que esse é um conceito que já não faz muito sentido, porque a criação absorve tudo.

18h47: O editor, no século XVII, é que às vezes atribuía poemas a Camões para garantir que eram mais lidos. Durante muitos séculos, o texto foi mais importante que o nome.

18h45: Fernando Pinto do Amaral: Por que razão se dá tanta importância à originalidade? É uma ideia que vem do Romantismo e tem a ver com o nome. Camões usava modelos clássicos e não se importava com isso. Ler e publicar os textos era o que interessava.

18h44: Karla Suárez: Mesmo em histórias que já conhecemos abrem-se janelas para outros universos.

18h42: José Manuel Fajardo lembra uma frase da Bíblia: Não há nada de novo debaixo do Sol. Mas não haverá mesmo nada de novo? Voltar uma e outra vez ao mesmos temos não será uma originalidade?

18h40: Momento de perguntas e respostas. Graça Alves diz: o que interessa é que o que lemos continue a criar emoções.

18h39: Por isso, originalidade é levar o leitor a sentir que está a ler uma coisa nova.

18h39: E também os clássicos foram influenciados por outros clássicos.

18h38: Os clássicos não são clássicos porque escreveram uma coisa diferente, mas porque escreveram de uma maneira diferente. Pegaram numa ideia, por mais pequena que fosse, e converteram-na numa história universal.

18h37: Foi um momento muito duro, porque depois encontrei outros autores nos meus livros.

18h35: O tempo passou. Cresci. Continuei a ler e a escrever. E fui viver para Paris. Decidi aprender francês. Mas pensei também que é mais fácil ler livros que já tinha lido. Foi um grande erro. Porque comecei a reler Albert Camus, porque apercebi-me que muito do que escrevia era influenciado por Camus.

18h34: E com isso escrevi muitos contos. Mas quando dava a ler alguém, sempre me diziam que se via muito a influência de Cortazar. Apesar de morto, disse-lhe que temos de cortar a nossa relação. Queria encontrar a minha voz.

18h33: E nessas leitura conheci um autor, Juio Cortázar, que passou a ser o homem da minha vida. Apaixonei-me.

18h32: Quando era pequena não gostava de ler. Mas gostava muito de escrever. Tinha uma grande imaginação. Até que um dia comecei a ler.

18h31: É bom ver a sala cheia. E se os políticos não apostam na cultura é porque com elas as pessoas não são manipuláveis.

18h30: Intervenção de Karla Suárez.

18h29: Uma última citação, sem preocupação de saber de quem é: "Quando não temos certezas quer dizer que continuamos vivos".

18h28: Esta é a ideia que mais me interessa. Porque um dos factores que fez o sucesso do romance foi a possibilidade de ter tudo lá dentro.

18h27: Lê: "Os livros que mais me interessam estão na fronteira de géneros".

18h23: Neste livro, ele reúne excertos seus e de outros autores, sem referir quem é o autor, pondo em causa a ideia de originalidade.

18h21: Leitura e comentário do ensaio de David Shields, Reality Hunger: A Manifesto, segundo o qual a literatura é muito conservadora, segue os mesmos conceitos da literatura do século XIX.

18h20: Somos originais se não nos preocuparmos em tentar ser originais.

18h18: Saul Bellow dizia que o importante é o estilo. Porque há muito poucas intrigas. Alguém perde alguma coisa e encontra-a. Duas pessoas apaixonam-se. Algum inicia uma investigação para descobrir a verdade de um assunto.

18h17: Não sei se tudo foi feito. Continuamos encontrar autores que nos surpreendem. Mas de facto muito foi feito. Mas esta é uma ideia que não nos deve inquietar, antes estimular.

18h15: Foi o que tentei fazer no meu primeiro livro de Poemas, Nuvens e Labirintos, em que tentei imaginar mitos clássicos no final do século XX. Nada muito original. Original só no sentido em que fui eu que o fiz, com a minha sensibilidade.

18h14: O Homero escreveu sobre tudo, mas não viveu na nossa época. E cabe-nos actualizar os mesmos temas.

18h13: Mas olho para estas arcas que estão no palco e penso que elas carregam os livros que todos os escritores já leram. Sem essa leitura não há escritores.

18h12: Devíamos inverter os dados da mesa. Só quando não sabemos é que estamos a ser originais.

18h11: Agradecimentos. Estes temas, como acontece nas Correntes d'Escritas, são para baralhar e provocar.

18h11: A palavra passa para José Mário Silva.

18h08: A nossa originalidade, para nós Madeirense, está na forma de trazer para a escrita a água que nos rodeia. Deste mar que nos beija.

18h06: O livro que escrevi O Meu Simão naquela tarde não teria sido nada sem Fazes-me Falta de Inês Pedrosa.

18h05: É um pouco como o eterno retorno modificado. E no momento em que nos sentamos a escrever são as palavras dos escritores que já lemos. Às vezes n\ao sabemos se a ideia é nossa ou está a ser soprada por alguém que chegou antes. Precisamos sempre do que os outros disseram antes de nós.

18h04: Se formos para trás e pensarmos nos clássicos, Homero não foi buscar as suas intrigas do nada. Camões também não.

18h03: Todos nós falamos das mesmas coisas, do amor, articulado com a morte, da vida, dos nossos mundos, medos, alegrias, tristezas. Que são as da humanidade. Já tudo foi dito. A nossa única solução é dizer tudo de outra maneira.

18h03: quem sou eu para pensar que em algum momento da minha escrita podia ser original e superar os cânones? Bloom fala da angústia da influência. Apetece-me falar da oportunidade da influência.

18h02: Mesmo que o escritor se isole numa torre do fim do mundo, será sempre influenciado. Todos nos apropriámos do que outros disseram e escreveram.

18h01: Um escritor transfigura a realidade, transmuta e modifica as leituras que outros fizeram por ele.

18h00: Agradecimentos. Falar deste Festival faz-me lembrar uma frase de Ernesto Rodrigues que dizia "nascido num mar de pedra faz-me bem ver o mar". É bom termos por perto pessoas que só conhecemos dos livros.

17h58: Cinco mesas, cinco moderadores com abordagens muito diferentes. Nesta, quase um ensaio sobre a literatura infantil e originalidade. Neste campo temos sido originais, diz o moderador. E passa a seguir uma ordem de distância geográfica. Começa Graça Alves.

17h56: Não são só os contos tradicionais que têm ideias que queremos ver ultrapassados.

17h54:



15h52: O moderador contextualiza o tema, focando-se sobretudo na literatura infantil.

17h52: Ideias fortes: Como andamos a escrever o mesmo que os clássicos. Será a originalidade um valor sobrestimado? Na era da inovação obrigatória, a literatura tem sido capaz de se reinventar ou está cada vez mais repetitiva?

17h49: A organização explica que Francisco José Viegas não pode estar presente e lê um pequeno texto. que o Secretário de Estado da Cultura enviou.

17h48: Tema: Éramos originais e não sabíamos, com Graça Alves, José Mário Silva, Karla Suárez e moderação de Francisco Fernandes.

17h47: Terminada a sessão de lançamento do livro de Honoré de Balzac, traduzido por José Viale Moutinho, seguimos para a quinta e última mesa.

Em Abril, nas livrarias

O novo livro de Joel Neto.

Mesa 4 do FLM

17h01: Plateia cheia. Boas intervenções. Muito bom início de tarde.

17h00: Termina a sessão.

16h56: Um bonito elogio e louvar ao arquitecto Paulo David e à sua obra arquitectónica, recentemente distinguida com a Medalha Alvar Aalto 2012.

16h53: Na Madeira a Natureza fez quanto havia a fazer. E cabe ao homem não destruir.

16h52: Os quadros na casa das mudas dão a ideia que o rochedo passou a usar brincos.

16h51: Quando estamos nas suas obras desconfiamos logo da natureza inerte dos materiais.

16h51: O Paulo David (arquitecto da casa das mudas) parece que faz as casas levitar.

16h50: Mesmo as casas pequenas têm tamanho para o que não é físico. E podem ser melhores se formos melhor conteúdo.

16h50: As casas são roupas muito largas que vestimos.

16h49: O grande problema do mundo é não haver um comprimido para os problemas de convivência.

16h48: Quando estamos na casa das mudas chegamos a pensar que foi o próprio rochedo que criou janelas para ver o mar. Amadureceu em casa.

16h47: Passa agora a ler um texto.

16h46: Até a ver televisão não há dia em que não chore a ver em determinados momentos.

16h45: Choro muito. As palavras são tão intensas que não consigo ficar longe.

16h44: Sei que sou piegas desde os três anos. E há coisas que me desmancham completamente.

16h42: Se conseguirem arranjar-me uma cunha para passar dois meses a escrever no Curral das Freiras digam-me.

16h41: Isto de ser sempre de ordem alfabética tem de mudar. Fico sempre em último. E a ansiedade sobe.

16h39: Fotografia, ilustração, poesia, música. Uma intervenção muito variegada e original de Paulo Sérgio BEju, difícil passar para palavras. Segue-se Valter Hugo Mãe.

16h35: Este Festival vive essencialmente de pessoas que trazem claridade.

16h31: Os livros na Livraria Esperança têm uma espécie de piercing e tatuagem, por causa da mola que é usada para os pendurar na parede. Tenho esperança que isso seja uma forma de levar a literatura aos jovens.

16h30: Um dia, depois de ver o Ensaio sobre a Cegueira, que há um túnel, na Madeira, que se chama Saramago.

16h26: O leitor depois de ler um livro quase que poderia ser o autor desse mesmo livro, já que sentiu as mesmas sensações que o escritor teve.

16h22: Não sou escritor, sou ilustrador. Alguém que ilustra a dor.

16h21: É a vez de Paulo Sérgio BEJu, que falará através de imagens projectadas.

16h20: E se substituíssemos por piegas? Deixava de ser esdrúxulo para ser grave.

16h19: Paródia com o poema de Álvaro de Campos sobre as cartas de amor que são ridículas, substituindo cartas de amor por portugueses de hoje. Ou ainda: substituir por governantes de hoje.

16h15: A pieguice não alimenta literatura, mas a pieguice pode ser literatura. É tudo uma questão de estilo, de forma.

16h14: Todos escrevem, logo todos têm o direito de publicar?

16h13: Manuela Ribeiro cita um conto de Rui Zink, o Bicho dos Livros.

16h12: A pieguice influencia a literatura? Depende do que entendemos de literatura.

16h11: Mas falemos de livros. Os livros são piegas?

16h10: E quero partilhar uma mensagem que recebi no dia da mulher.

16h08: Isso explica porque recebo tantas mensagens e emails que procuram iluminar o meu caminho.

16h07: O melhor mesmo é citar o nosso Eça de Queirós, esse sim, de todos nós. Ou Eduardo Lourenço, que diz que é preciso qualquer coisa de luz. Luminosa.

16h06: Será que eu devia estar aqui? Não seria melhor convidar o nosso primeiro? O nosso Presidente?

16h05: É uma alegria comovente estar aqui.

16h04: Segue a conferência para Manuela Ribeiro, que vai ler um texto.

16h00: Depois de ler, diz: Sim, eu sou piegas. E também era feliz e não sabia.

15h56: A esse propósito, lê um excerto do seu novo romance, a publicar em Abril, na Porto Editora, Os Sítios Sem Respostas.

15h55 Se é exacerbar emoções, eu sou piegas.

15h54: Não sei o que é piegas. Há aquele verso da Adília Lopes: sou sensível, não sou piegas.

15h52: Quando fazia mau tempo nos Açores, pensava: quem me dera ser da Madeira. E nos Carnaval, quando via o Alberto João mascarado,  pensava: quem me dera ser da Madeira, não seria a pessoa mais ridícula da festa.

15h51: Gosto sempre de voltar sempre à Madeira. Dá sempre a ideia que é tão bonita como os Açores. E é terra de Cultura: Helberto Helder, Helena Marques, José Agostinho Baptista, Ronalda...

15h51: Gostava de ter um festival assim nos Açores.

15h50: Começa Joel Neto. Tenho muito gosto em participar na mesma sessão que o Valter Hugo Mãe. O sucesso está garantido. Podem desligar as câmaras. Não vou dizer nada.

15h49: Apresentação dos convidados.

15h46:



15h45: Mais uma referência piegas, diz a moderadora: as cartas de Fernando Pessoa a Ofélia. Lê alguns fragmentos.

15h44: Venho falar-vos da gata Ofélia de Adília Lopes, diz.

15h43: A moderadora apresenta o tema.

15h41: Ideias chave: Somos um povo de escritores e romances piegas? A lamúria afadistada sempre encontrou terreno fértil na literatura? Os nossos heróis sofrem e choram muito?

15h40: Convidados: Joel Neto, Manuela Ribeiro, Paulo Sérgio BEJu, Valter Hugo Mãe e moderação de Diana Pimentel.

15h39: Tema da Mesa: Éramos piegas e não sabíamos.

15h37: Regresso ao Festival, para a quarta mesa redonda.